quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Reticências

As idas e vindas tornaram-se constantes. Já não sabia mais o que desejava fazia tanto tempo. O apartamento havia se tornado pequeno depois... não queria lembrar, não conseguia lembrar. Os vultos agora eram mais fortes e a última coisa que ele queria era que eles tomassem conta do que era. Sentado na cama, a cabeça entre as mãos, sentia atrás de si o respirar lento de Sofia. Mas não conseguia olhar. Havia tanto tempo, já não era mais a mesma coisa. Ela adormecera logo, com lágrimas nos olhos e ele passara a noite em claro contemplando a sutileza intolerável de seu corpo. Intolerável não conseguir tocá-la mais da mesma forma. Intolerável tentar imaginar como teria sido se a decisão fosse outra.

Levantou-se de súbito, Sofia ensaiava um abrir de olhos, lento como sempre. Saiu antes que ela pudesse falar. Colocou a primeira bermuda que encontrou, passou a mão nas chaves e saiu, batendo a porta num relance.

[Elisa, novembro 08]

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Instante ®

Era uma dessas tardes chuvosas de setembro quando ela sentou-se à frente do computador, e tentou, pela primeira vez, escrever um conto.

Durante muito tempo encarou a tela em branco pensando em um “não-sei-o-quê”, com os olhos fundos, piscando longamente, como alguém que está entrando num estado de sono profundo. Ao fundo, uma música de Vander Lee se misturava ao som dos pingos de chuva que batiam com vigor na janela, aumentando a solidão daquele dia.

Por várias vezes tentou iniciar aquilo que tinha se proposto a fazer, por várias vezes os dedos num movimento meio espasmático por assim dizer, foram ao encontro das teclas já meio apagadas do seu PC antigo. Não era dessas que ligava para as novidades da tecnologia, muito pelo contrário. Em seu quarto o grande bem que possuía era sua estante lotada de livros de todos os tipos,,, não sabia porque os comprava, já que não os lia – um ou outro passeavam em sua mochila quando andava de ônibus pelas ruas da cidade, mas só por desencargo de consciência. Na realidade, gostava de olhá-los. Tê-los em casa era um comprovante de que não era assim tão ignorante quanto achava que fosse. Sabia o nome de cada autor que freqüentava sua estante, mas não passava disso. O conteúdo de seus livros pouco importava. O que precisava é que estivessem ali, como cúmplices mudos de sentimentos que nem ela mesma podia explicar. E até pouco tempo não fazia questão.

Até àquela tarde.

Nada mais era comum ou ordinário como pensava que fosse. A tela em branco insistia em encará-la e ela, como em quase tudo, desviava os olhos. Pesados. Fundos. Com grandes olheiras das noites mal dormidas. Pensou em correr, quebrar a estante, sair pela casa à fora. Mas que diferença faria? Sabia que nunca faria nada de anormal,,, o anormal era estar ali, escrevendo. Pensou nele. Em tudo o que tinha perdido, em como podia ter sido tão burra, ele a tinha amado, ela a ele,, mas não sabia, não sabia. Deu desculpas a si mesma dizendo que tinha tentando, que não era o que ele merecia. A culpa era dele, afinal. Se fez de vítima, chorou. Inverteu os papéis numa tentativa de fuga de si mesma. Tentou se enganar dizendo que era o melhor, colocou-se numa posição de defesa. Mas já era tarde, ela estava presa em si. E já não sabia como sair.

Pensou no que escreveria,, talvez o que andava vivendo, mudaria nomes, inventaria lugares. Mas se deu conta de que não sabia inventar personagens. Pra se fazer um conto é preciso muita imaginação, sempre repetia isso, pra que tentar então? Só sabia fazer resenhas, era mais prático analisar o que não vinha dela mesma. E de mais a mais, ninguém ia ler um conto de uma mulher deprimida. A chuva aumentava e agora, além da música, ouvia-se o som do vento. Sentiu frio, sentiu medo. Sentiu que nada ia adiantar escrever e percebeu que estava sentada ali pra escrever pra ele. Não queria que ninguém lesse também, não era pra ninguém ler, era pra ele, tudo sempre foi pra ele. Pra que um dia ele lesse e pudesse entender tudo, ver que não tinha sido daquele jeito, que nada era daquele jeito.®

{eu, em setembro de 2007}

domingo, 23 de novembro de 2008

Sei lá, me peguei pensando

Descobrir quem você faz com que você siga ao lado da vida, sem lutar o tempo todo com ela,,, fazendo da experiência de viver uma caminhada agradável, mesmo com todos os percalços do caminho.


Descobrir quem nós somos é viver a vida percebendo que a felicidade não é uma meta a ser alcançada. Felicidade é um momento, um simples momento que se não for bem aproveitado passa correndo e a gente nem nota.



sábado, 22 de novembro de 2008

Por que eu teimo em usar as palavras?


Por que não as engaveto simplesmente?

esqueço que elas existem tranco-as num lugar escuro e úmido e pronto...
talvez elas criem mofo e deixem de tentar sair
talvez sem elas, minha vida fique mais calma.
---------------------------------------------------------------------------------------------

Acordei afônica... talvez seja praga.
Malditas palavras! Malditas que eu quis dizer e prendi!
Agora estão aqui, entaladas na garganta
grudadas feito massa corrida
me sufocando...
---------------------------------------------------------------------------------------------

Hoje falei dormindo
soltei metade do que precisava ser solto
acordei cantando
as palavras mofadas... mofadas?
não...
as palavras... belas palavras..
soltaram-se, estão livres
correndo...
do mesmo jeito que eu gostaria de estar

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Sobre a previsibilidade das coisas.

Nesta semana, uma amiga disse-me, um tanto quanto insatisfeita, que uma conhecida a tinha chamado de "previsível". Não sei o que estalou em mim, mas pensei: oras, por que esta mania que temos de acharmo que ser imprevisível é bom e que a previsibilidade é algo que deve ser alijado?

Imagino como deve ser cansativo e até mesmo frustrante conviver diariamente com pessoas as quais não sabemos que reação terão frente às situações impostas pela vida. Todos os meus grandes amigos são previsíveis. Pelo menos para mim. Assim como tenho certeza de que sou previsível para eles.

Entenda, ser previsível não é ser rotineiro ou talvez, como muitos pensam, insosso. Ao contrário, a previsibilidade daqueles que amamos é a prova de que os conhecemos. Claro que, em alguns momentos, todos teremos atitudes intempestivas ou mesmo uma mudaça. Mas como é bom quando eu sei que, ao dar uma única rosa branca para a Louise ela irá sorrir e filosofar sobre a importância daquele presente; ou mesmo ao levar palavras cruzadas para Aline era irá se alegrar e fazer com gosto; ou saber que Taissa precisa de um tempo maior para deglutir as situações e o Ricardo saberá sempre me dizer aquela palavra necessária e me receber com aquele sorriso peculiar.

E tantos outros gestos tantas outras falas. Ser uma pessoa que ninguém sabe como vai reagir nem sempre é sinônimo de qualidade.

O mistério não reside no imprevisível.
Não pelo menos para mim.