Era uma dessas tardes chuvosas de setembro quando ela sentou-se à frente do computador, e tentou, pela primeira vez, escrever um conto. Durante muito tempo encarou a tela em branco pensando em um “não-sei-o-quê”, com os olhos fundos, piscando longamente, como alguém que está entrando num estado de sono profundo. Ao fundo, uma música de Vander Lee se misturava ao som dos pingos de chuva que batiam com vigor na janela, aumentando a solidão daquele dia.
Por várias vezes tentou iniciar aquilo que tinha se proposto a fazer, por várias vezes os dedos num movimento meio espasmático por assim dizer, foram ao encontro das teclas já meio apagadas do seu PC antigo. Não era dessas que ligava para as novidades da tecnologia, muito pelo contrário. Em seu quarto o grande bem que possuía era sua estante lotada de livros de todos os tipos,,, não sabia porque os comprava, já que não os lia – um ou outro passeavam em sua mochila quando andava de ônibus pelas ruas da cidade, mas só por desencargo de consciência. Na realidade, gostava de olhá-los. Tê-los em casa era um comprovante de que não era assim tão ignorante quanto achava que fosse. Sabia o nome de cada autor que freqüentava sua estante, mas não passava disso. O conteúdo de seus livros pouco importava. O que precisava é que estivessem ali, como cúmplices mudos de sentimentos que nem ela mesma podia explicar. E até pouco tempo não fazia questão.
Até àquela tarde.
Nada mais era comum ou ordinário como pensava que fosse. A tela em branco insistia em encará-la e ela, como em quase tudo, desviava os olhos. Pesados. Fundos. Com grandes olheiras das noites mal dormidas. Pensou em correr, quebrar a estante, sair pela casa à fora. Mas que diferença faria? Sabia que nunca faria nada de anormal,,, o anormal era estar ali, escrevendo. Pensou nele. Em tudo o que tinha perdido, em como podia ter sido tão burra, ele a tinha amado, ela a ele,, mas não sabia, não sabia. Deu desculpas a si mesma dizendo que tinha tentando, que não era o que ele merecia. A culpa era dele, afinal. Se fez de vítima, chorou. Inverteu os papéis numa tentativa de fuga de si mesma. Tentou se enganar dizendo que era o melhor, colocou-se numa posição de defesa. Mas já era tarde, ela estava presa em si. E já não sabia como sair.
Pensou no que escreveria,, talvez o que andava vivendo, mudaria nomes, inventaria lugares. Mas se deu conta de que não sabia inventar personagens. Pra se fazer um conto é preciso muita imaginação, sempre repetia isso, pra que tentar então? Só sabia fazer resenhas, era mais prático analisar o que não vinha dela mesma. E de mais a mais, ninguém ia ler um conto de uma mulher deprimida. A chuva aumentava e agora, além da música, ouvia-se o som do vento. Sentiu frio, sentiu medo. Sentiu que nada ia adiantar escrever e percebeu que estava sentada ali pra escrever pra ele. Não queria que ninguém lesse também, não era pra ninguém ler, era pra ele, tudo sempre foi pra ele. Pra que um dia ele lesse e pudesse entender tudo, ver que não tinha sido daquele jeito, que nada era daquele jeito.®
{eu, em setembro de 2007}
2 comentários:
Eu li, eu li, eu li!!!! Acho que fui o primeiro, lembra disso?
lembro, claro!! E vc foi sim,,, ;)
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